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As serras e a cidade
17/05/2025 13:00
O chef, ainda muito novo, fez um curso de cozinha em Vilarandelo. Tinha nascido uma dúzia de anos antes em Barracão, na freguesia de Friões, em plena Serra do Brunheiro. Os nomes pouco se conhecem, mas esta e outras serras de Trás-os-Montes estão, literalmente, em cima da mesa no restaurante Plano em Lisboa chefiado por Vítor Adão.
Os menus de degustação chamam-se Raízes e Origens, com dez e sete momentos, respetivamente, mas ambos começam por pequenos snacks numa plataforma em relevo feita em barbotina (material cerâmico) com a configuração do mapa de Trás-os-Montes e onde estão representadas nove serras: Gerês, Larouco, Barroso, Montesinho, Nogueira, Brunheiro, Miranda do Douro, Bornes e Marão. A primeira dificuldade foi combinar com a Studio Neves, que desenhou e construiu os pratos. Vítor Adão, que alterou o pedido várias vezes, conta que foi preciso que as "serras" fossem leves, laváveis, que segurassem bem a comida e fossem feitas à escala, o que levou os responsáveis da cerâmica a confessar que nunca tiveram tanto trabalho com a loiça de um chef. O cozinheiro queria que esta entrada fosse como "uma lição de história com produtos endógenos".
Por exemplo, na primeira serra, Gerês, serve-se uma terrina de vaca barrosã, pickle de cenoura e molho tártaro. Na serra do Brunheiro, onde nasceu, Vítor Adão escolheu batata Kennebec, brandade de bacalhau e chicória. É onde a família ainda vive e continua com a sua agricultura e pecuária. O chef confessa-se "doido por batatas" e por isso quis fazer um prato inspirado no chef francês Joel Robuchon, que passa por "manteiga Rainha do Pico com um puré de batata supercremoso, bacalhau das Ilhas Faroé e depois uma espiral com um rolo de batata Kennebec feito ao nosso estilo". Em cima, acrescenta, "leva dois molhos, um de lima e um de "ras el hanout" - uma mistura de especiarias marroquina -, flor de alho e coentros, e ainda está um canelone feito de cebola queimada e desidratada".
Noutra serra, a do Marão, Vítor lembrou-se do pastel de carne maronesa da Pastelaria Gomes de Vila Real que come desde sempre: o covilhete. Conta que interpretou o petisco "com muita especiaria, com muito mais sabor, não tão suave", mas com um legume. Explica que, quando andava pelo nabal, aproveitava para comer o nabo cru que descreve como "ligeiramente doce e adstringente ao mesmo tempo". Na sua versão de covilhete, salienta que "com uma massa semifolhada, com bastante gordura e crocante, é preciso qualquer coisa para limpar e isso é o nabo".
Relativamente às outras montanhas de Trás-os-Montes, Vítor Adão escolheu chips de batata, puré de alho negro e couve tronchuda grelhada para o Larouco e coscorão de ovas de truta, maionese de wasabi e puré de batata-doce para a Serra do Barroso. No Montesinho, preparou um takoyaki (uma espécie de bolo ou panqueca japonesa) de cozido de porco bísaro e caviar de algas, e, para a Serra de Nogueira, um rissol de javali. Para Miranda do Douro, optou por canhono (cordeiro) mirandês grelhado, waffle crocante e raita (molho) e, ainda para Bornes, um tártaro de vitela mirandesa, gema de ovo curada e limão Mão de Buda.
O menu continua com dois pratos vegetarianos, um de peixe, outro de carne, e várias sobremesas e petit fours. Vítor vai continuar a servir estes menus apenas com alterações que decorrem dos produtos e épocas do ano. O transmontano não esquece as suas raízes e origens mesmo depois de ter sido chef executivo do Sem Maneiras e ter passado, entre outros, pelos restaurantes Flor de Sal em Mirandela, Chaxoila em Vila Real, DOC e DOP de Rui Paula e Ocean de Hans Neuner. Abriu o seu "Plano" em 2019.
