Ouvi anjos em Mértola
22/06/2025 10:00
É tão longe de Mértola a Matala. A Matala fica na Huíla, em Angola, e Mértola é essa pérola alentejana a cujo sono e vigília assiste o Guadiana, ronronando preguiçoso aos pés da alta cama mertolense. E foi em Mértola que há poucos dias foi a enterrar o meu amigo Fernando Venâncio. Nos últimos três anos, eu vi-o - e tanto lhe ouvi a voz cantada - a dialogar com essa novilíngua, que também começo a aprender, a língua da morte. As línguas, como as línguas do Espírito Santo, estavam-lhe no sangue. De Mértola a Amesterdão, passando por Lisboa, e com paragem no breve apeadeiro que é a Guerra e Paz editores, o Fernando não fez outra coisa que não fosse indagar, provocar, implicar essa língua portuguesa que, com tanta argúcia, roubámos aos galegos: assim nasceu uma língua. Mas entrem no carro e venham, de Lisboa a Mértola, ao funeral. Está livre o banco de trás. Sentem-se. Ao meu lado, vai o Marco Neves, outro linguista. Saímos com meia hora de atraso. Estacionar em Mértola não é para meninos, muito menos para velhos. E lá fui a arrastar-me, atrás das pernas jovens do Marco, até chegar à Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, bem no cimo, dentro do castelo. Aconteceu, então, uma coisa maravilhosa: entrámos de supetão na igreja, como há décadas dizia o imenso Nuno Brás que Eusébio entrava na área, e já um padre perorava junto ao féretro onde o Fernando se deixava, paciente, estar em descanso. O padre era um africano, com um sotaque, que eu logo percebi ser de Angola. Da Matala? Um homem negro de fala cristalina, excelente léxico, dicção perfeita, uma sintaxe primorosa. E, ao contrário de muito do clero que por aí apascenta e apascenta tão mal, com uma oratória tocante. Centrou-se no mérito da defesa que o Venâncio fazia da língua portuguesa. Senti, então, que o Fernando, na urna, longe do sossego, estava num deliciado bulício, todo derretido, entre ironia e inocência, um sorriso que lhe ia do novilúnio ao plenilúnio, encantado com o que, no musical sotaque angolano - e corrijo, umbundo - lhe lavava pela última vez os ouvidos. Ali estávamos numa igreja alentejana enfiada num castelo, no topo de Mértola, sobre o rio Guadiana, longínquo baluarte mouro, com um africano nascido a milhares de quilómetros, a louvar um linguista tuga e a dançar, ele mesmo, com elegância na língua, na mesma língua. Voltou, esse jovem padre angolano, a falar no cemitério, em cima da campa, como só se vê nos filmes de John Ford. Foi, então mais confessional: contou que deixara o pai em Angola, um pai ateu, descrente da eternidade. Confessou o desgosto e disse que a esperança que o movia eram os mertolenses. Deixara a sua casa, a família, os amigos, a bênção dos trópicos para vir missionar, espalhar a palavra daquele que ele chamava o Pai, e que este seu sacrifício valeria a pena só e apenas se os mertolenses lhe dessem, a ele, peregrino perdido, prova de fé e de confiança na doce eternidade. E eu pasmado, eu ex-colono, eu ex-cristão, a lembrar-me que ali ao pé de Sagres - ou foi de Lagos? sei lá bem, já não me lembro do que fiz há cinco séculos -, saíram caravelas para ir missionar e espalhar a fé e agora, em "boomerang", um jovem homem negro, inteligente, tão bom demagogo como um Demóstenes, vinha do coração de África missionar a descrente e gentia Europa. Tens de convir, querido Fernando, que não podíamos ter tido melhor despedida: nas aladas palavras deste padre umbundo vinha toda a ironia dos anjos. A ironia de uns anjos irreverentes, dos que tu gostavas, a descer e a pousarem brandos e meigos sobre o teu corpo defunto.
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