Marques Mendes: O atual Governo tem feito pior ao SNS que a troika entre 2011 e 2014 23/06/2019 21:00:00

O CAOS NA SAÚDE
 
Agora, foi o caso das urgências de obstetrícia na Grande Lisboa. Antes, foram outros casos. No futuro, surgirão novos. As razões são sempre iguais: Primeiro: faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam profissionais de saúde. Porquê? Porque há anos o SNS está subfinanciado.Segundo: se a situação é má há vários anos, a verdade é que se tornou insuportável nestes últimos 4. Porquê? Por causa da lei das 35 horas e por causa das cativações. O actual Governo tem feito pior ao SNS que a troika entre 2011 e 2014A pouco e pouco estão a matar o SNS. Todas as semanas há mais um prego no caixão. E um grande beneficiário desta situação: o sector privado da saúde. Há degradação no SNSDoentes passam para o privado; Há degradação no SNSMédicos fogem para o privado; Há degradação no SNSEstado paga aos privados para fazerem as cirurgias que o SNS não faz em tempo útil. A direita tem a fama de ser a favor do privado. A esquerda dá-lhe o proveito!
 
Eu sou a favor do sector privado da saúde. Mas antes de tudo sou a favor de um SNS de qualidade. Porque um SNS de qualidade é um instrumento decisivo de combate às desigualdades sociais. Matando o SNS estamos a tornar o país mais desigual e injusto. Ora a verdade é esta: Mário Centeno é o campeão das contas certas. Mas também está a ser o coveiro do SNS.  
Adiamento do fim das taxas moderadoras por causa do custoO Governo parece Donald Trump no caso do Irão: primeiro, decidiu o ataque; depois, perguntou quantos mortos haveria. Aqui é igual: primeiro, aprova-se a lei; depois, pergunta-se quanto custa.  
LEI DE BASES DE SAÚDE COM O PSD?
 
Depois de meses a negociar à esquerda, o PS vira-se agora para o PSD. É um exercício de hipocrisia. O PS repetiu exaustivamente que era preciso substituir a Lei de Bases da Saúde da direita e, para isso, a votação tinha que ser feita à esquerda. Agora, porque falhou à esquerda, dá uma cambalhota e quer substituir a Lei de Bases da direita com uma negociação à direita. Pura hipocrisia!  Por que é que o PS dá esta cambalhota? Por 3 razões essenciais: Primeira: calculismo. O PS quer substituir uma derrota – não conseguir aprovar uma nova Lei de Bases – por uma vitória – dizer que o PS é o partido charneira, o único que dialoga com todos, à esquerda e à direita. Logo, votem no PS!Segundo: O PS quer fazer do PSD uma espécie de pronto-socorro. O PS está em dificuldades à esquerda? Volta-se para o PSD. O PS não consegue uma aprovação à esquerda? Negoceia com o PSD. É fazer do PSD uma espécie de 112. Um pronto-socorro à mão de semear.Terceiro: um presente envenenado. A três meses de eleições, o que o PS quer é anular a oposição. Ao fazer um acordo com o PSD, reforçam-se as semelhanças entre os dois partidos, em vez de se acentuarem diferenças. É isto o que o PS quer: que, em vez de ser o partido da alternativa, o PSD seja o partido muleta.  
O meu critério é o do interesse nacional. Se se tratasse de uma lei para reformar a Segurança Social, para combater o défice demográfico ou para investir na competitividade fiscal e baixar impostos, eu diria: vale a pena o PSD aprovar. Pode ter custos partidários mas serve o interesse nacional. Ora, a Lei de Bases da Saúde não tem qualquer importância para o país. Não muda nada na Saúde. A lei que existe chega e sobra.  
INQUIRIÇÃO DE CONSTÂNCIO
 
Constâncio na AR foi lamentávelna atitude e no conteúdo. Na atitude, a sua intervenção foi um ajuste de contas com o jornal Público. Lamentável. O Público não cometeu qualquer crime. Fez serviço público. Divulgou um facto essencial que Constâncio tinha omitido – que foi o Banco de Portugal quem autorizou Berardo a reforçar a sua participação no BCP. Ou seja: se não fosse a investigação do jornal, o país ainda hoje não conhecia esse dado essencial. Ainda na atitude, Constâncio deu de si próprio uma imagem de inutilidade. Segundo ele, nunca podia fazer nada. Umas vezes a culpa era da lei. Outras vezes era o parecer dos serviços. Como é que um economista prestigiado se sujeita a esta imagem de inutilidade? Quanto ao conteúdo: Reunião com accionistas do BCP – Constâncio não conseguiu afastar a suspeita de que foi conivente no "assalto" ao BCP. Primeiro, porque presidiu a uma reunião para tratar da gestão do Banco, o que não é função do Banco de Portugal; segundo, porque, desse modo, deu uma imagem de "conluio" entre o supervisor e alguns accionistas; terceiro, porque ainda permitiu que os accionistas presentes passassem a ter informação privilegiada, o que é grave.Autorização para Berardo reforçar posição no BCP – Também aqui fica a suspeita de que Constâncio podia e devia ter agido de forma diferente. O Governador devia ter-se oposto à pretensão de Berardo ou, pelo menos, limitar-lhe os direitos de voto. Primeiro, porque não se tratava de um acionista confiável – mas sim um acionista beligerante, activista e especulativo, arriscado, com antecedentes graves (Sogrape); segundo, a forma como reforçava a sua posição não dava garantias de solidez financeira em relação a futuros aumentos de capital.  
Não está em causa a seriedade de Constâncio; não está em causa que a responsabilidade do empréstimo é da Caixa e só da Caixa; mas está em causa que, tal como já tinha sucedido no BPN, Constâncio não teve, também aqui, uma gestão cuidada e prudente. E isso custou milhões de euros aos contribuintes.  
GERINGONÇA EM CRISE?
 
Os factos desta semana – ruptura na Lei de Bases da Saúde e críticas acesas entre António Costa e Catarina Martins – provam três coisas: Primeiro: o ambiente na geringonça está negro. Já teve melhores dias;Segundo: os três partidos da geringonça só se entendem quando há dinheiro para distribuir, seja na função pública, seja nos passes sociais;Terceiro: em tudo quanto não é dinheiro para distribuir não se entendem – na saúde, nos professores, na lei laboral, nas políticas europeias.  
Em conclusão: a geringonça foi um casamento de conveniência. Dava jeito a todos os parceiros. Mas, tal como existia até agora, não tem futuro. Uma nova geringonça – formal, de papel escrito e declarações formais – não voltará a repetir-se no futuro. Pode haver arranjos pontuais e de circunstância, até na aprovação de Orçamentos. Mas uma geringonça formal não haverá mais.  
Entretanto, Costa prossegue o seu caminho a sonhar com a maioria absoluta. Pode não chegar lá. Mas está a lutar por ela. Isso vê-se em várias questões: Na humanização da sua imagem – Está a copiar o Presidente da República. A ser mais próximo e afectuoso com as pessoas. Até já tira selfies. Viu-se esta semana em Pedrógão. Esta noite está no S. João, no Porto. E outros momentos haverá no futuro! No piscar de olho ao eleitorado do centro. É o caso da Lei de Bases da Saúde, tentando esvaziar o PSD. Na tentativa de esvaziar o eleitorado do PCP. É o que o primeiro-ministro está a fazer. O PCP baixou nas autárquicas, baixou nas europeias e corre o risco de voltar a baixar em Outubro.  
MUDANÇAS NO CDS
 
As eleições europeias determinaram mudanças políticas. Uma, no PS: o partido do Governo voltou a sonhar com a maioria absoluta. Outra, já hoje evidente, é no CDS. O CDS, em termos de resultado, "levou um pontapé na nuca". Aprendeu a lição e está a mudar o seu comportamento.  A mudança nota-se a 3 níveis: Primeiro: no discurso. O discurso, agora, é menos agressivo, menos atritivo e menos radical. Isso viu-se já em dois debates com o PM no Parlamento.Segundo: na táctica política. O CDS antes privilegiava a confrontação com o Governo. Agora, está a apostar na apresentação de ideias alternativas, através de propostas concretas. À média de uma por semana. Esta semana surgiu uma terceira no domínio da ADSE.Terceiro: na humanização da imagem da sua líder. Assunção Cristas vale pelo seu capital político. Mas tem outra mais-valia: a sua dimensão de mulher e mãe de 4 filhos, a sua relação familiar, a sua história de vida. E vê-se que a preocupação é "puxar" por esta dimensão. Daí o livro que vai ser apresentado amanhã. Um livro que valoriza sobretudo uma dimensão mais intimista, mais pessoal, mais humana de Assunção Cristas.  
IMPASSE NA UE
 
Praticamente passado um mês sobre as eleições europeias, continua o impasse na escolha dos cargos de topo de UE. Os líderes europeus não se entendem.
 
O Conselho Europeu, na prática, disse não aos 3 candidatos a Presidente da Comissão. Weber (PPE) não tem condições, sobretudo porque não dispõe de experiência governativa e tem a oposição clara de Macron. Timmermans (socialista) tem o leste todo contra ele (por ter sido o Comissário que abriu processos à Polónia e Hungria). Vestager (liberal) tem o desacordo de vários países – da Áustria à Irlanda – que se opõem às suas ideias sobre harmonização fiscal.  
Cenários futuros – O mais provável é que o futuro Presidente da Comissão seja do PPE, embora não o alemão Weber: Michel Barnier é o mais desejado. Foi Comissário competente, fez a negociação do Brexit e passaria com facilidade no PE. Mas tem em seu desfavor a nacionalidade. É francês. E um Presidente da CE francês incentiva a Alemanha a liderar o BCE, o que assusta toda a gente. O PM croata é outra possibilidade. Num registo mais baixo. Christine Lagarde (FMI) também não é carta fora do baralho. E há uma hipótese, que, não sendo ainda provável, não pode também ser, de todo, excluída – Angela Merkel. Seria apoiada por todos. E anteciparia a sua saída, em alta, do Governo alemão. Falta saber se ela admite a hipótese, embora na passada 5.ª feira pareça ter deixado a porta entreaberta ao dizer: Essa ideia ainda não está na minha cabeça!